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Album Info
Release Date: 1962Label: Continental
Liner Notes (in Brazilian Portuguese):Viva! Custou um pouco, mas apareceu mais um LP do Caco Velho; demorou um bocadinho, mas alguém "descobriu", que este que é um dos maiores artistas brasileiros não poderia ficar tanto tempo assim sem nos dar mais gravações.
E aí está!
Vamos falar um pouco da vida do sr. Mateus Nunes. O sr. Mateus Nunes, na sua vida toda, só foi chamado assim duas vezes; e as duas vezes, nesta contra-capa de disco. Isso porque, antes de se tornar um senhor, já tinha mudado de nome: já tinha passado a ser o sr. Caco Velho. O menino Mateus nasceu no Bairro São João em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 12 de março de 1920. Com 8 anos apenas, começou a cantar e tocar pandeiro na Rádio Gaúcha (ainda no tempo do rádio de galena). E desde a primeira música que cantou num microfone (uma que dizia assim: "papagaio louro do bico dourado"...) até hoje, só tem feito cantar samba, sempre samba.
Com 10 anos, fez o primeiro sucesso junto ao público de sua terra: o samba-canção de Ary Barroso chamado "Caco Velho". Nessa época, o Mateus já fazia parte, como ritmista do conjunto Piratini (famoso músico e cômico gaúcho, já falecido) e, em todas as festas pediam ao Mateus para cantar "Caco Velho". Então caco velho p'ra cá, caco velho p'ra là, um dia o pianista do conjunto, Paulo Coelho, o chamou pela primetra vez de Caco Velho e não de Mateus. A primeira reação do Mateus foi chorar de raiva e ficar doido da vida, reação que ajudou ainda mais a alcunha "pegar". E do ambiente pequeno formado pelos músicos do conjunto, a alcunha passou a ser conhecida por todo o público gaúcho, quando o jornalista Rivadávia de Souza fez publicar uma reportagem sua com o titulo (e com fotografias e tudo): "Surge um Caco Velho na cidade, um novo sambista e pandeirista". Dali por diante, a não ser naquilo que se referisse a cartório ou banco, desapareceu o sr. Mateus Nunes para dar lugar. definitivamente ao sr. Caco Velho.
Em 1935 nasceu dentro do artista, um novo artista: o compositor. De parceria com Lupiscinlo Rodrigues, Caco Velho compôs o samba "Que baixo". Ele mesmo o cantava aí já surgiran outras bossas que o cantor conserva até hoje: as de, cantando, imitar com a boca os sons da cuíca e com a boca fazer "breques", coisas que nas ceram expontaneamente com ele.
A vinda de Caco Velho para São Paulo surgiu depois de uma excursão que fez como integrante do conjunto de Piratini, em 1940; excursão por Argentina, Uruguai, Chile e Peru. Na volta, a turma toda se fixou em Porto Alegre novamente, menos o Caco Velho que veio sozinho para São Paulo estimulado por um amigo seu, o saxofonista Marino, que aqui trabalhava. O músico amigo o colocou imediatamente como ritmista da orquestra de J. França que era a melhor de São Paulo na época. Nessa orquestra, que tocava no Cassino O.K., o "Caco" tocava pandeiro; quando a orquestra se transformava em típiea "portenha", ele ia para o contra-baixo.
Um dia, precisamente na noite de Natal de 1940, o cantor da orquestra, por qualquer motivo, faltou. Então, para substituir o Rui Rey que era o cantor, Caco foi chamado para "quebrar o galho". Quebrou. Quebrou, cantando os 4 únicos sambas de que conhecia letra: "Caco Velho", "Se Você Jurar", "Ai, que Saudades da Amélla" e "Beija-me". Cantou, mostrou suas bossas, seu jeito espetacular, gostoso e novo de fazer improvisos com a voz, fora da letra dos sambas. Agradou. Impressionou. Chamou a atenção de todo mundo e especialmente de uma turma que se encontrava apreciando: Leo Vilar, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, outros e Dermival Costa Lima. Este último, diretor da Radio Tupi, combinou a assinatura de um contrato. Na Tupi, por esse contrato, o Caco ficou cantando só até 1960, apenas 20 anos. Tanto tempo que ele, quando vem até o Sumaré, só chama a gente de "meu irmão"; ainda não se esqueceu (e nem se esquece) da família.
Já fez o diabo em matéria de discos. O primeiro que gravou reunía: "Maria Caiu do Céu" (dele e de Nilo Silva) e "Briga de Gato" (de Lupiscínio Rodrigues). Fez essa gravação para a Odeon, tendo sido levado para lá pelo compositor e jornalista Dennis Brean.
Depois, gravadora Continental (quem o levou foi o João de Barro). Sucessos, um atrás do outro: "Não Faça Hora Comigo", "Meu Fraco É Mulher", "Deu Cupim", "Que Baixo", "Chinezinha", "Samba Russo", "Até Onde Vai o Tubarão", outros. Depois, antes de ir para Paris em 1955, gravou um disco na Columbia: "Uma Só Vez" e "Vida Dura". Foi para Paris e abafou. Ficou lá 2 anos, gravou um LP de samba-sucessos na Ducretet Thomson e atuou esse tempo todo na boate La Macumba do Bairro de L'Opera (o Caco dá uma risada desse tamanho quando diz que "os cara lá, falam L'Operrá"). Era, ali, o cantor da orquestra de George Henry. Quando este saiu, o Caco passou também a diretor da orquestra. Gilbert Becaud era um dos frequentadores da boate e achava o jeito de Caco cantar, "très interessant".
Em 1957, Brasil de novo, Discos Copacabana. LP "Vida Noturna". EP "A Voz do Sangue". EP "Caco Velho". Algumas faixas preciosas em matéria de samba, música brasileira enfim: "Botina Estranha", "Nega" e "Eh! Boi".
Finalmente, gravadora Continental: dezembro de 1962.
Primeiro disco: este. Deram ao cantor a liberdade e a autonomia maiores para escolher as músicas, o tipo de conjunto que o deveria acompanhar e tudo o mais. E o cantor afirma que, esta foi a primeira vez que fez um disco do jeito que queria (ele gravando meio contrariado já é um es-tou-ro; imaginem gravando como quer). O Caco pede ainda (depois de nos ter dado todas estas informações que vocês leram) que ressaltemos a colaboração mais do que valiosa do violonista Pacheco Viola, autor de um dos sambas incluídos nesta seleção, além de músico tocando com o conjunto em todo o LP. Pede ainda para dizer que os arranjos musicais aqui contidos nasceram todos no seu "Brazilian's Bar" (só que não é p'ra dizer que fica na Rua Peixoto Gomide, quase esquina da Augusta, porque isso fica muito feio).
Foi tudo o que poderia ser dito por um dos irmãos que o Caco Velho sempre faz questão de dizer que presa muito, mesmo considerando-se que a família do Caco é muito grande (ele faz sempre questão de dizer o "meu irmão Kalil p'ra cá", o "meu irmão Kalil pra lá", porque sabe que, assim, está repetindo a honra que me concede de um parentesco que eu não esperava, mas de que me orgulho muito). E como é fácil orgulhar-se de um dos maiores artistas brasileiros: cantor-sambista, pandeirista, contra-baixista, compositor, arranjador, tudo (e compositor internacional: "Mãe Preta" gravada com Amália Rodrigues e Orquestra Melachrino, e "Porquoi" invadindo agora os Estados Unidos com muitas gravações feitas pelos músicos de lá mesmo).
Este é o melhor disco que ele já fez. O próximo será melhor ainda. O que vier depois, muito melhor então. Até quando Deus quiser. E o gostoso é que, Deus sendo brasileiro como todo mundo está cansado de saber, é por isso que é tão fácil p'ra gente ter à disposição esse mundo enorme e maravilhoso, cheio de surpresas e rocordações, estarrecimentos e emoções, esse mundo fantástico que é a música popular brasileira, dentro da qual uma das melhores coisas é o cantor que está dentro deste álbum.
Está ou não está, a Bossa Nova, prestando grandes e variados serviços à música popular brasileira? O aparecimento deste disco é, apenas, mais uma prova disso.
Por KALIL FILHO
Tupi de São Paulo - Programa "33-45-78″