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Album Info
Release Date: 1974Label: Zip Zip
Labels: Made in PortugalThis text is featured on the back cover (terms between brackets are originally underlined).
Apresentação da voz
Quem está cantando? Negro ou voz de um povo?
Assim que a gente sente, logo-logo. A voz é dolorosa, cheia demais para ser duma pessoa só, madura demais. Voz mais-velha, esta que a gente está ouvir. Não nasceu ontem, não é filha alheia - vem de cinco séculos, não cala nunca, não cala. E a gente ouve o berro: monangambéééé!- e somos capazes de começar sorrir já na dor que a palavra tem, a dor de lhe sabermos sinónimo de escravo. Porque damos encontro a sabedoria deve sofrimento de séculos, um filho do povo já afirma: "eu não espero" / "eu sou aquele por quem se espera".
O povo angolano sabe, Rui Mingas sabe, sua voz marca hierarquias: "desdém" (mal se ouve!) "fuba podre" (constata só) "peixe podre" (quase um rir), "panos ruins" (ironia numa «civilização colonizadora») "cinquenta angolares"- é aqui que a voz berra, a mais desumana violência dum sistema de opressão é o capital. E o "porrada se refilares" final é já dito como quem reza na igreja, oração sabida de cór: se a gente nascemos já com a porrada na barriga da mãe!…
Aqui está uma das vozes libertadores de Angola - de Africa, do Mundo portanto. Com Agostinho Neto, negro poeta angolano, denuncia; denuncia com António Jacinto, poeta branco angolano; denuncia com Mário de Andrade, mestiço, poeta, angolano. E com aquele que o nosso irmão e filho e tudo mais quanto é, brasileiro, nosso mais-velho poeta, Solano Trindade, ainda pergunta:
Quem está gemendo?
Negro ou carro de bois?
Este disco é a resposta: quem está gemendo é carro de bois! Negro, esse, já está cantando - Rui Mingas, angolano.
Luandino Vieira